A Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (5CCR/MPF) aprovou, nesta sexta-feira (12), nota técnica e orientação com diretrizes aos membros do MPF sobre a aplicação da Lei 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), em relação aos procedimentos em curso. O material foi elaborado pela Comissão Permanente de Assessoramento em Acordos de Leniência e Colaboração Premiada (CPALCP). Estruturada em formato de roteiro, a Orientação 12/2021 tem o objetivo de oferecer “um primeiro norte na defesa do sistema anticorrupção da LIA nas suas funções previstas na Constituição Federal (artigo 37, §4º)”, sem prejuízo de discussões e análises posteriores.
O documento lembra a importância da Lei de Improbidade Administrativa no combate à corrupção e analisa, ponto a ponto, as principais mudanças promovidas pela reforma, incluindo temas como a retroatividade das novas regras, prescrição intercorrente, necessidade de manifestação de interesse do MP nas ações de improbidade propostas pela Fazenda Pública, prazos para conclusão de inquérito civil público e ajuizamento de ação, entre outros aspectos.
De acordo com a orientação, o artigo 37, §4º, da Constituição Federal impede a retroatividade automática de novas normas mais benéficas como forma de impedir o retrocesso no combate à corrupção e à improbidade. Além disso, a retroatividade é vedada quando as mudanças legislativas são complexas e resultam na reformulação de tipos e sanções, como ocorreu com a Lei 14.230/2021. Assim, as novas regras não retroagem, e o Poder Judiciário deverá aplicar o sistema reconfigurado somente a partir da entrada em vigor das modificações.
Isso também vale para a nova redação dos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. A alteração nos três dispositivos prevê a necessidade de comprovação de dolo para caracterizar a improbidade. Para o MPF, a mudança vale apenas para os novos processos, sem afetar os antigos. “As novas condutas típicas, se retroagirem, promoverão retrocesso no sistema de improbidade, cujas bases são constitucionais (artigo 37, §4º), atentando também contra os compromissos assumidos pelo Brasil nas Convenções Internacionais contra a Corrupção (OCDE, OEA e ONU), internalizadas como normas supralegais”, explica o texto. Da mesma forma, a orientação esclarece que “não se aplicam as sanções legais mais gravosas (artigo 12 – I e II da Lei 14.230/2021) a atos de improbidade anteriores ao início de sua vigência”.
Prescrição intercorrente e prazo máximo em ICP – No caso da prescrição intercorrente, a nota técnica informa que os novos prazos de prescrição – previstos no art. 23, parágrafo 4º, da LIA – valem apenas após a entrada em vigor das mudanças, como define o art. 14 do Código de Processo Civil. Além disso, a prescrição intercorrente não ocorre se a demora na solução do feito é imputável ao serviço judiciário, conforme o artigo 240, § 3º, do CPC.
A orientação defende ainda que a definição de prazo máximo para a conclusão de inquérito civil público e para o ajuizamento de ação civil pública de improbidade viola a autonomia do Ministério Público, assegurada pela Constituição. Entretanto, o texto alerta que, se forem considerados constitucionais, os dispositivos se aplicam aos processos em curso, a partir da entrada em vigor das novas regras, já que são normas processuais. No caso de ICP, serão considerados devidamente fundamentados os despachos de prorrogação que determinarem nova diligência ou que indicarem diligência já determinada e ainda pendente de realização.
De acordo com o art. 3º da Lei 14.230/2021, o Ministério Público deve manifestar interesse no prosseguimento das ações de improbidade ajuizadas pela Fazenda Pública no prazo de um ano. Considerando que esses processos ficam suspensos até a manifestação do MP e o prazo, a orientação traz diretrizes práticas para facilitar o trabalho de membros e impedir a prescrição em massa de ações. Recomenda-se que o MP peça ao Judiciário a remessa dos processos de forma metódica, para possibilitar análise criteriosa sobre o interesse público em assumir o polo ativo da cada demanda e a análise dos processos mais antigos primeiro.
O documento também registra que, na comparação do novo texto com o antigo, não houve exclusão na lista de entidades que podem ser lesadas pela prática de atos de improbidade administrativa nem redução ou eliminação de categorias de pessoas físicas que podem ser responsabilizadas como agentes públicos no sistema de improbidade. “A nova regra do artigo 2º, parágrafo único da Lei 14.230 apenas elucida a situação jurídica de pessoas físicas e jurídicas já passíveis de responsabilização na sua redação originária, o que potencializa a probidade delas exigível”, explica o documento.