O novo coronavírus (que agora recebeu o nome de covid-19) nem chegou no Brasil e já criaram dezenas de fake news sobre ele. De uma origem em laboratório orquestrada pelo empresário Bill Gates para lucrar com vacinas a estratégias simples e milagrosas para tratar e evitar a infecção, sobram informações inverídicas.
Elencamos os boatos que mais estão se disseminando sobre esse vírus e conversamos com especialistas para esclarecê-los de uma vez por todas. Confira:
1) Tomar uma superdose de vitamina D evita o coronavírus
Uma mensagem assinada por um médico diz que a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) indica um reforço na imunidade para prevenir essa doença. Para isso, seria preciso injetar uma dose alta de vitamina D, que teria o poder de modular as defesas do corpo.
Só que a notícia é completamente falsa. A SBI emitiu um comunicado afirmando que jamais fez tal recomendação. “Tomar uma vitamina não vai mudar sua resposta a um agente estranho”, comenta Nancy Bellei, infectologista consultora da entidade e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Um estudo bem robusto, realizado em 2019 com mais de 5 mil adultos, mostra que mesmo uma dose enorme, de 100 mil UI de vitamina D, não previne infecções respiratórias, como o coronavírus. A pesquisa foi feita pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e publicada no periódico Clinical Infectious Diseases.
Isso vale também para suplementos de vitamina C e minerais como zinco. A suplementação só deve entrar em cena com orientação profissional e em caso de deficiência de nutrientes comprovada.
Manter uma alimentação equilibrada ao longo da vida é a única recomendação nutricional dos médicos para reforçar as defesas. “Vender qualquer boost de imunidade beira o charlatanismo”, destaca João Prats, infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
2) Chá de erva-doce mata o vírus originário da China
Esse é um boato reaproveitado há pelo menos dez anos. Verdade que, até então, essa fake news se restringia ao vírus influenza, causador da gripe.
No WhatsApp, o texto alega que um médico do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo recomenda tomar o chá de erva-doce para curar o coronavírus, porque a planta tem o mesmo princípio ativo do Tamiflu, um remédio usado contra casos de H1N1 e outros subtipos do influenza.
Mas atenção: tal composto não existe na erva-doce. Aliás, o Ministério da Saúde ressalta que nenhum chá é capaz de tratar o coronavírus ou a gripe.
3) Alho, gengibre e outros fitoterápicos como forma de prevenção
Ainda na seara alimentar, as correntes recomendam comer alho cru e tomar chá de gengibre, entre outras bebidas e alimentos, para reforçar a imunidade e matar o vírus.
“Embora moléculas dessas plantas demonstrem resultados positivos quando se estuda a ação delas em uma célula isolada no laboratório, não dá para extrapolar esse efeito para o corpo humano”, comenta Prat.
Isso não significa que comer um vegetal rico em nutrientes, como o alho ou mesmo o gengibre, fará mal. Na verdade, eles até podem aliviar sintomas como coriza e irritação nas vias aéreas. Só não espere que, isoladamente, previnam ou curem um caso de coronavírus ou de qualquer outra infecção respiratória.
4) Já ter pego gripe protege contra o coronavírus
O influenza é diferente do coronavírus. Quando somos infectados por um subtipo do vírus da gripe, nosso organismo aprende a se defender especificamente contra ele, em um processo chamado de resposta imune adquirida.
O raciocínio é o mesmo para a vacina da gripe. O fato de ter recebido essa injeção não quer dizer que o organismo está mais resguardado do coronavírus. E nem contra o próprio influenza daqui um ano. Isso porque esse agente infeccioso sofre mutações constantes, que exigem modificações na vacina.
Agora, imunizar-se contra gripe pode evitar que o coronavírus cause complicações. Explica-se: esse novo vírus pode se aproveitar do fato de o organismo estar enfraquecido pelo influenza para provocar estragos graves.
5) O coronavírus é semelhante ao vírus da aids
Uma montagem mostra porções iguais do DNA de dois vírus lado a lado, supostamente o HIV e o coronavírus. Segundo os autores, são semelhanças “nunca encontradas em outro coronavírus do passado”, o que indicaria que o novo inimigo da saúde foi criado com fins escusos em um laboratório – olha aí o Bill Gates de novo.
Mas não há nenhum registro científico dessa similaridade. O periódico The Lancet publicou recentemente um artigo que sequencia os genes do covid-19, mostrando que ele é cerca de 80% similar ao vírus SARS, que causou uma epidemia na década passada. Não há qualquer menção ao HIV.
6) O novo vírus pode ser tratado com remédios para HIV, influenza ou antibióticos
Até agora, não existe um tratamento específico contra o coronavírus além de observar e remediar os sintomas e as complicações da infecção. Entretanto, com o avanço dos casos, os médicos estão fazendo testes com medicamentos originalmente criados para enfrentar outras enfermidades.
Na China, médicos vêm receitando o lopinavir e o ritonavir, antirretrovirais que tratam o HIV, combinados com o oseltamivir, o princípio ativo do Tamiflu, que é prescrito em gripes severas. A CNN noticiou também que um médico tailandês declarou ter curado um caso grave de coronavírus com a mistura.
A estratégia, entretanto, carece de comprovação científica. “Faltam evidências clínicas da eficácia contra o covid-19. Também precisamos compreender o mecanismo pelo qual atuariam esses medicamentos”, destaca Prats.
7) Carregar bolsas de cânfora afasta o coronavírus
“Uma boa dica, meus queridos amigos: bolsinhas medicinais de cânfora ajudam a evitar a propagação da gripe coronavírus”, afirma uma mensagem espalhada pelos grupos de WhatsApp. Primeiro, vale dizer que a infecção provocada pelo coronavírus não é uma gripe, o que já levanta suspeitas.
E a cânfora, embora empregada há séculos como tratamento alternativo, não tem nenhuma ação antiviral atestada por estudos. “É uma planta famosa por ser descongestionante e analgésica. Ela até atenua os sintomas de gripe e resfriado, mas não reduz o risco de infecção nem evita casos graves”, pontua Prats.
8) Lavar nariz com frequência evita o coronavírus
A higienização frequente das narinas é a melhor maneira de desentupir o nariz, além de amenizar os sintomas da rinite. Só que seus benefícios param por aí, uma vez que a higiene do local não impede que um vírus entre pela mucosa e acesse o organismo.
9) Comprar mercadorias da China é perigoso
Ter contato com produtos chineses não representa ameaça de contágio pelo coronavírus. Ministério da Saúde, Organização Mundial da Saúde (OMS) e a comunidade médica rejeitam essa hipótese.
“Há a possibilidade de o vírus ‘sobreviver’ no ambiente por alguns dias, mas, em geral, ele se torna incapaz de infectar alguém após algumas horas fora do organismo”, destaca Nancy.
10) Ozonioterapia para tratar coronavírus
Uma clínica de estética publicou em suas redes sociais que a ozonioterapia — técnica que administra os gases oxigênio e ozônio no nosso corpo para diferentes fins — preveniria a infecção. A notícia, embora falsa, espalhou-se rapidamente.
Em comunicado, a SBI avisa que não há nenhuma evidência científica de que o método proteja contra o covid-19.
Uma polêmica: o calor brasileiro deixa o coronavírus menos ameaçador?
Com base em estudos já feitos com o influenza, que apontam para uma maior transmissão nos meses frios e secos, imagina-se que o coronavírus perderá força no clima tropical do Brasil em pleno Carnaval. Acontecimentos dos últimos anos, contudo, desafiam esse conceito.
“Existe um conhecimento clássico sobre o assunto, mas há muitos dados que apontam para surtos de vírus causadores de doenças respiratórias fora do frio e em regiões mais úmidas”, diz Nancy. “Tivemos, por exemplo, uma epidemia de H1N1 nos Estados Unidos em julho, um período muito quente naquele país, e também enfrentamos casos no verão brasileiro”, complementa a médica.
A especialista completa: “Não dá para afirmar que o clima diminuirá a velocidade de transmissão, especialmente se tratando de um vírus para o qual ninguém tem imunidade ainda”, completa.
No entanto, outras versões de coronavírus especialmente agressivos, como o SARS, de fato tiveram maior dificuldade de se espalhar no verão. Isso porque, no calor, as pessoas não ficam tanto tempo em ambientes fechados, que facilitam a disseminação de infecções respiratórias. E é possível que o próprio vírus não responda tão bem ao clima tropical.
Nesse ponto, portanto, devemos esperar mais pesquisas.